pixel Na primeira pessoa: Anastasiia Leontieva | Universidade NOVA de Lisboa

Na primeira pessoa: Anastasiia Leontieva

Nas fotos, vemos Anastasiia em Kyiv - e em Sintra

"Hoje quero contar a história da invasão russa da Ucrânia através dos meus olhos. Nasci e cresci na Crimeia. Aos 11 anos de idade, a Rússia invadiu e anexou o território da minha pátria, a Crimeia ainda hoje está ocupada. Depois de terminar os estudos, mudei-me para a capital da Ucrânia, Kyiv, para estudar. Antes do início da guerra, fiz um estágio no parlamento ucraniano e passei algum tempo com os meus amigos. A 24 de Fevereiro, acordei com explosões e notícias terríveis, a confirmarem a invasão russa. Havia engarrafamentos de trânsito de quilómetros fora da cidade, imagens de explosões de várias partes da Ucrânia foram mostradas na televisão e a lei marcial tinha sido imposta. Num ápice, estávamos a ir buscar água e a embalar "mochilas de emergência" para estarmos prontos para tudo.  

Nessa noite, parti para uma pequena aldeia perto de Kyiv com os meus pertences, a fazer figas para que tudo acabasse rapidamente. Não aconteceu. Demorei-me por lá um mês. Não muito longe, acompanhavam-nos as explosões e lutas por Kyiv e já não havia comida nas lojas – especialmente carne e laticínios. Procurávamos sobretudo abastecer-nos de água, para o caso de a barragem também explodir.  

Enquanto isso, os comboios de evacuação da população conseguiam sair de Kyiv, mas cheios de gente. Durante todo esse tempo, estava a enviar cartas a muitas universidades da Europa, a contar receber um convite e partir sem problemas. A primeira resposta que recebi foi, exatamente, da NOVA School of Law (NOVA SL). 

Depois de gastar a maior parte das minhas poupanças, consegui comprar um bilhete de avião de Varsóvia para Lisboa – mas tinha de conseguir entrar no comboio em Kyiv. Foi no meio do som de explosões e de alarmes de emergência que fiz as malas e parti para a estação de comboios. De lá, consegui chegar a Lviv, na zona ocidental da Ucrânia, onde apanhei um autocarro para a fronteira polaca, atravessei a fronteira e cheguei à cidade mais próxima, Przemyśl. Aí, foram os voluntários que me deram comida e me ajudaram a arranjar um bilhete para Varsóvia, onde cheguei dois dias depois. Passei essa noite num abrigo e, no dia seguinte, voei para Lisboa. Ao mesmo tempo, procurava encontrar alojamento em sites de ajuda a refugiados – precisava nem que fosse um quarto, um lugar para dormir.  

Felizmente, um homem chamado Ricardo apareceu para me ajudar. Quando aterrei em Lisboa, ainda não sabia onde ia viver ou o que ia acontecer. Foi o Ricardo que me foi buscar ao aeroporto e me levou ao Barreiro. Lá, apresentou-me a uma família de pessoas maravilhosas, o Bruno e a Caroline. Eles foram as pessoas que me ajudaram em tudo: desde arranjar documentos a comprar comida ou mesmo só fazer companhia - aqui vemos Anastasiia em Sintra

Apresentaram-me também aos seus amigos Rui e Cristina. Christina é também da Ucrânia, e rapidamente encontrámos uma língua comum. Proporcionaram-me alojamento e estou-lhes imensamente grata. Sem estas pessoas teria sido muito difícil para mim e eu teria tido muitos problemas, estou contente por os ter conhecido. Depois conheci Margarida Lima Rego [diretora da NOVA SL] e foi ela que me ajudou a organizar-me, porque na Ucrânia estava no meu segundo ano e em Portugal tinha de começar tudo de novo.  

Comecei a frequentar o curso e, ao mesmo tempo, estudava à distância numa universidade ucraniana. Devido à diferença horária, tinha de me levantar às 5 da manhã para conseguir ouvir as palestras online e para chegar à faculdade, em Lisboa.  

Além disso, como só comecei a receber o meu subsídio para refugiados no final de Abril – e o dinheiro das minhas poupanças dava para pouco mais do que a alimentação e ligação de telemóvel - a NOVA forneceu-me o material de estudo, pelo que não tive de gastar dinheiro em vários artigos de papelaria. 

Candidatei-me logo a uma bolsa de estudo, agora aguardo que seja aprovada - e ainda assim, pouco depois de chegar a Portugal, consegui fazer um estágio na Miranda Alliance, através do programa Inspiramos Juntos. Em Julho, após a época de exames, tive de regressar à Ucrânia para tratar uma série de documentos. Uma vez que é um longo caminho até Lisboa (os nossos aeroportos estão fechados e quase todos os bilhetes de comboio estão esgotados para sair do país) e não é barato, sei que não poderei regressar sem saber como pagar os meus estudos. Continuo a receber a informação das cadeiras e a tentar aprender, com a ajuda dos materiais disponíveis no Moodle, mas sei que não poderei fazer os exames online.  

Ainda assim não perdi a esperança de ter oportunidade de o fazer, já que gostei muito de Portugal, onde também sei que um dia voltarei para me tornar uma grande profissional da área jurídica."

PS: A boa-nova chegou, entretanto, ao email de Anastasiia: "já tenho bolsa, posso voltar! Obrigado, NOVA".