A Alta Idade Média, o período após o desmantelamento do Império Romano do Ocidente e antes da formação do Reino de Portugal, continua a ser uma das épocas menos conhecidos da História. As fontes escritas são escassas e, na sua maioria, revelam as dinâmicas das áreas urbanas, principais palcos dos poderes políticos. Para se entender o que acontecia no campo, a investigação precisa de olhar para os vestígios materiais. Sara Prata, uma arqueóloga do Instituto de Estudos Medievais (IEM da NOVA FCSH), centra a sua investigação nas paisagens rurais da Alta Idade Média (séculos V a VIII). Em 2014, promoveu um protocolo de Cooperação Científica entre a NOVA FCSH e o Município de Castelo de Vide, o que permitiu realizar numerosos trabalhos de campo e reunir um vasto conjunto de dados empíricos. Este é atualmente um dos territórios da Península Ibérica para o qual existe uma maior quantidade de informação de qualidade sobre o povoamento rural alto-medieval.
Os trabalhos arqueológicos em Castelo de Vide revelaram uma densa rede de granjas do início da Idade Média. Estes vestígios ajudaram a compreender como as comunidades rurais terão persistido após o fim da administração romana, particularmente em áreas periféricas. Muitas das grandes villae romanas, que refletiam um modelo de produção centralizado, foram abandonadas ou transformadas, tendo-se desenvolvido novos aglomerados de povoamento mais pequenos, o que evidencia uma mudança na escala de produção, mas também nas relações sociais e económicas. Produtos que anteriormente seriam fabricados em oficinas profissionais (como a cerâmica de uso quotidiano) passaram a ser produzidos ao nível doméstico. Estes dados demonstraram a resiliência das comunidades locais e permitiram saber mais sobre as pessoas que viviam e trabalhavam no campo, superando narrativas históricas tradicionais, focadas num número limitado de atores e locais. Esta perspetiva de estudo promove uma abordagem ao passado verdadeiramente inclusiva, considerando todos os membros da sociedade, e demonstrando como grupos sociais tradicionalmente considerados subalternos, como os camponeses, poderiam transformar os usos da paisagem rural em tempos de incerteza.
A investigação de Sara Prata considera as necessidades e interesses da comunidade local, promovendo discussões e atividades de sensibilização que tornam as descobertas arqueológicas acessíveis ao público não especializado. Sara Prata está comprometida com a próxima geração de arqueólogos, fomentando oportunidades de formação dentro dos seus projetos.
Os resultados desta abordagem são claros: 1) Sensibilização para o património – através de escavações que expuseram as ruínas de pequenas granjas familiares, reforçando a relevância dos vestígios arqueológicos e criando ligações entre o passado e o presente. 2) Divulgação e turismo – com dias abertos nas escavações promovidos em todas as campanhas, onde os visitantes realizavam uma visita guiada ao sítio arqueológico e aprendiam sobre a investigação em curso.
Ao longo dos anos, houve cerca de 50 visitantes, e 10 pessoas participaram nas escavações e tarefas associadas. Para além disso, foram oferecidas 6 visitas guiadas fora da temporada de trabalhos de campo. Foram realizadas palestras e aulas abertas sobre arqueologia na vila, 17 no total, acolhendo mais de 200 participantes ao longo dos anos. Também foram organizadas 3 exposições de arqueologia, que exibiam fotografias, desenhos e artefactos, recebendo o número estimado de 500 visitantes. 3) Gestão do património – com o projeto “Nova Carta Arqueológica do Território de Castelo de Vide” solicitado pela Câmara Municipal, que reflete o impacto da investigação académica no desenvolvimento de ferramentas de gestão do Património, tais como: uma base de dados de acesso aberto com um projeto cartográfico, uma ferramenta concebida para manusear, proteger e comunicar os vestígios arqueológicos de forma integrada; e um livro de divulgação científica destinado ao público geral. 4) Educação e formação – com mais de 50 vagas para formação prática oferecidas a estudantes de licenciatura, mestrado e doutoramento da Universidade NOVA de Lisboa e de várias outras instituições europeias, bem como 2 dissertações de mestrado e 1 tese de doutoramento realizadas no âmbito desta investigação.
A investigação de Sara Prata é um verdadeiro exemplo de “Pensar global, agir local”, demonstrando como a investigação descentralizada pode construir pontes entre o meio académico e a administração local, e como estudantes, agricultores, turistas, trabalhadores municipais, administradores e investigadores podem trabalhar em conjunto para repensar o papel das sociedades passadas.