As sobreviventes de violência sexual enfrentam diversos obstáculos socio-legais e mitos falsos, perpetuados pela narrativa legal. Em dois projetos realizados na última década, Tatiana Morais desenvolveu uma investigação inovadora e de ponta para forjar uma agenda progressista feminista. A investigação desenvolvida por Tatiana Morais, como membro do projeto da UMAR (2012-2014) e em colaboração com membros da APJM (2016), identificou descobertas cruciais: a necessidade de expandir a definição legal de assédio sexual; a necessidade de incentivar as empresas a adotar um código de conduta para prevenir o assédio sexual no local de trabalho e estabelecer um mecanismo/procedimento para receber e investigar queixas de assédio sexual; e a necessidade de alterar a definição legal de violação, que se concentrava na violência em vez da falta de consentimento, perpetuando assim uma mensagem patriarcal e misógina que dificultava o avanço dos direitos humanos e a proteção das sobreviventes contra a violência sexual.
Entre 2012 e 2014, Morais, como membro da equipa da UMAR, desenvolveu um estudo jurídico comparativo para examinar os Códigos do Trabalho e Penal do Canadá, Brasil, França, Espanha e Portugal em relação ao assédio sexual no âmbito do projeto “Assédio Sexual: Quebrar Invisibilidades. Construir uma cultura de prevenção e de intervenção”, que deu origem a uma recolha de dados que evidenciou a insuficiência do quadro legal português na prevenção e proteção contra o assédio sexual no local de trabalho. Com base nesta evidência, foram elaboradas recomendações e alterações ao Código do Trabalho e Penal, e parte delas foram incluídas na Lei nº 73/2017, de 16/08, que estabeleceu a necessidade de os empregadores adotarem um código de conduta para prevenir e abordar o assédio sexual no local de trabalho, e a Lei nº 83/2015, de 05/08, que introduziu a perseguição como um crime autónomo no Código Penal Português (Artigo 154-A) e expandiu a definição de crimes sexuais (Artigo 178) para incluir comportamentos tipicamente percebidos como assédio sexual.
Além disso, em 2016, Tatiana Morais desenvolveu um estudo socio-legal empírico sob a supervisão da Professora Teresa Beleza, com cinco entrevistas semiestruturadas com informantes-chave (quatro deles membros da APMJ) e análise sistemática de decisões judiciais, focando-se na definição legal de violação no Código Penal português. A recolha de dados permitiu o desenvolvimento de uma análise jurídica sobre a decisão do legislador português relacionada com a definição legal de violação e seu impacto nas decisões judiciais, bem como na mensagem socio-legal patriarcal enviada à sociedade. Este estudo levou a recomendações para promover reformas legais relacionadas com a definição legal de violação e a estrutura do Artigo 164 do Código Penal Português, reconhecendo que a falta de consentimento deve ser o requisito principal para considerar um comportamento como violação. Parte dessas recomendações foram incluídas na Lei nº 101/2019, de 6/09.
As reformas sustentadas pela investigação desenvolvida por Tatiana Morais têm um impacto positivo nas sobreviventes de assédio sexual e violação, proporcionando-lhes maior proteção, enquanto cumprem as obrigações internacionais de Portugal ao abrigo da Convenção de Istambul. Além disso, antes da reforma legal, as autoridades portuguesas receberam 431 denúncias de casos de violação (2019), enquanto em 2022 o número de casos denunciados aumentou para 519. As empresas também beneficiam da reforma legal, que prevê um mecanismo legal para estabelecer um código de conduta para prevenir e abordar o assédio sexual no local de trabalho, promovendo um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. Os resultados de ambos os projetos foram publicados em revistas com revisão por pares e apresentados no II Congresso CICOT 2013, Women’s Human Rights Summit, Universidade de Lisboa, 2018 e na European Feminist Research Conference, Universidade de Gottingen, 2018.
Notavelmente, num momento de crescente consciencialização das obrigações internacionais de Portugal ao abrigo da Convenção de Istambul, o corpo de investigação desenvolvido por Tatiana Morais como membro do projeto da UMAR (2012-2014) e em colaboração com membros da APJM (2016) contribuiu diretamente para a melhoria significativa do quadro legal português para promover o avanço dos direitos humanos, em particular, a proteção contra a violência sexual e de género em Portugal.
Categorias criadas pelo Estado são importantes. Elas determinam quem está incluído e excluído da proteção legal, e que comportamentos são considerados crime. No entanto, a lei por si só não é suficiente; a lei é apenas um elemento de uma mensagem socio-legal e económica-política muito complexa enviada à sociedade, que deve declarar em uníssono que não há espaço para a Violência Sexual e de Género na nossa sociedade!
Tatiana Morais