Em 1993, Zília Osório de Castro criou o “Seminário Livre de História das Ideias”, também conhecido como o Seminário. O Seminário, constituído por uma equipa autónoma de investigação e publicação formada por académicos com várias filiações, cuja investigação faz parte do CHAM – Centro de Humanidades da NOVA FCSH, tinha como objetivo escolher um tema anual de interesse comum para discussão em apresentações mensais pelos seus membros. Na viragem do século, a escolha recaiu sobre o Caso Dreyfus, que levou o grupo a focar-se na história dos movimentos intelectuais e nas revistas que lhes conferiam identidade. No entanto, rapidamente surgiu o principal problema da historiografia cultural portuguesa do século XX: a dificuldade em aceder, consultar e analisar numerosos periódicos, complexos e, por vezes, extensos, muitas vezes em falta ou truncados em muitas instituições de património cultural de relevo.
Partindo da intuição de que apenas a tecnologia da informação poderia resolver este problema, decidiu-se seguir a via digital. O Seminário começou primeiro pela seleção de revistas a serem publicadas de acordo com a sua relevância cultural e os interesses académicos dos investigadores envolvidos; depois, pela digitalização completa das coleções dos títulos selecionados, após a sua localização ou reconstituição; e, finalmente, pela criação de uma base de dados, publicação de um website por revista e divulgação dos websites em eventos, notícias na comunicação social e listas de distribuição. Estes websites proporcionavam aos utilizadores acesso aberto às coleções completas das revistas, juntamente com ferramentas para as pesquisar em oito índices, estudos originais e um dossier documental organizado pelos especialistas que as editam e curam. O trabalho colaborativo entre a equipa do Seminário, a Biblioteca Nacional de Portugal, a Fundação Mário Soares e Maria Barroso, a FCT, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Centro Nacional de Cultura, o Museu do Neo-Realismo, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista resultou na criação do Portal “Revistas de Ideias e Cultura (RIC)”. O RIC oferece acesso universal e indexado às revistas que moldaram o pensamento e as causas do século XX e constitui um ponto de viragem na difusão dos periódicos que definiram as razões e valores modernos.
Em outubro de 2022, o ponto culminante do reconhecimento do impacto do RIC ocorreu com o Prémio Ler+, conferido pelo Plano Nacional de Leitura. Este prémio é inseparável dos 100.000 utilizadores e dos 2.300.000 visualizações de páginas, entre setembro de 2015 e maio de 2023, 23% das quais provenientes do exterior de Portugal. Um segundo marco também foi alcançado em 2022 com os primeiros seis websites do RIC Brasil. Estes resultaram do interesse de investigadores brasileiros séniores em replicar o modelo, em 2019, numa reunião científica na Casa de Rui Barbosa, bem como do acordo assinado entre a UNL e a USP. É de notar, estão presentes vários tipos de impactos, com destaque para o acesso aberto e amigável à informação, a atração de parcerias institucionais em Portugal e no Brasil, e a valorização do património cultural moderno associado à investigação nas humanidades e novas formas de promoção da leitura.
Os atuais investigadores do Seminário acreditam que, hoje, o RIC exerce um impacto político e académico muito significativo no estudo e apropriação comunitária do legado inconformista da cultura moderna portuguesa. Além disso, em 2023, o RIC contará com trinta e cinco websites e a perspetiva de alcançar, em 2030, mais de cem websites publicados. Esta ocasião significará um segundo clímax no mapeamento geral da cultura portuguesa contemporânea, que será dotada de instrumentos de navegação heurística e hermenêutica, permitindo aos utilizadores fazer perguntas e receber respostas. Assim, o impacto do RIC seguirá um arco narrativo clássico.
Os jornais faziam a política as revistas teciam a cultura
Luís Andrade, in Público, 24 de março de 2020