Em Atouguia da Baleia, a baleia é um mito fundador perpetuado no nome de uma cidade que foi um importante porto marítimo e de pesca medieval português e que agora está a cinco quilómetros da costa. A baleia faz parte da identidade coletiva, da memória e do imaginário dos seus habitantes.
Restos dessas antigas baleias ressurgem e chegam aos nossos dias através de ossos que agora estão a ser encontrados com intrigante regularidade na vila e no município de Peniche. A caça das baleias nesta costa é testemunhada em documentos históricos desde os tempos medievais e modernos, e o próprio animal tem sido uma inspiração criativa e um elemento de construção de conhecimento sobre o mundo natural. Tanto no continente português como no contexto da Expansão Portuguesa no Ultramar, a caça da baleia foi conduzida ao longo de séculos com fortes impactos nas populações naturais do Atlântico Norte e Sul, para não dizer a nível global.
O trabalho de investigação desenvolvido por Nina Vieira e Cristina Brito, investigadoras do CHAM – Centro de Humanidades da NOVA FCSH, responde a questões sociais e ambientais e contribui para a preservação do património cultural e natural. Evoca mudanças regionais e nacionais ao resgatar a memória coletiva sobre uma atividade (caça à baleia) e um animal (baleia), através do estudo da história e de restos materiais. Juntamente com os técnicos do município de Peniche, as investigadoras têm recolhido e analisado dados históricos nas últimas duas décadas, conduzindo novos estudos de arquivos para novos materiais documentais sobre a pesca da baleia na vila e no continente português. Juntas, as investigadoras entendem que tudo sobre a baleia deve ser preservado – histórias do seu passado, traços materiais para o futuro e as espécies que habitam o oceano no presente enquanto ainda se recuperam das interações com as pessoas. Sob o financiamento da Bolsa de Sinergia do ERC 4-Oceans, até agora, a única para as Humanidades em Portugal, as investigadoras têm desenvolvido narrativas sobre realidades históricas humanas e não humanas que se materializaram nas duas iniciativas, a exposição “A Baleia em Atouguia” e o curso online de acesso aberto (MOOC) “A caça da baleia e os portugueses”.
A equipa de investigação foi convidada a participar no processo de investigação e curadoria da exposição lançada em 31 de março de 2023, no Centro Interpretativo de Atouguia da Baleia. Notavelmente, até 15 de junho, já tinha recebido 1709 visitantes! Durante esse período, foram organizadas mais de 20 visitas com Raquel Janerinho e acompanhadas por técnicos municipais e/ou investigadores da NOVA FCSH. Além disso, o MOOC, liderado por Gonçalo Melo da Silva, investigador do IEM (Instituto de Estudos Medievais da NOVA FCSH), foi lançado em 13 de dezembro de 2022 e decorreu até 31 de maio. Durante esse período, foram contabilizados 453 participantes de 10 países diferentes. Ambas as atividades visavam não só o público em geral, mas também académicos e professores, e profissionais ligados à gestão do património, observação de baleias e outras indústrias criativas. Foi promovida a transferência de conhecimento sobre as relações duradouras entre humanos e animais marinhos; a colaboração com comunidades através da identificação de ossos de baleia; e a partilha de histórias orais e ações de salvaguarda do património cultural e natural dos oceanos. Da mesma forma, a exposição e o MOOC assumiram fatores ambientais tão relevantes quanto os económicos, sociais e políticos, abordando preocupações marinhas em relação a extinções passadas e à degradação de habitats, promovendo a literacia oceânica. Assim, são esperadas mudanças sociais – uma sociedade mais informada a nível local, nacional e internacional; uma sociedade que seja sensível aos desafios ambientais e climáticos atuais, e à conservação das populações naturais; uma sociedade que valorize a importância da história, do património e da memória.
No geral, entender o papel das pessoas e das baleias, e as suas interações entrelaçadas, mostra a contribuição direta das Humanidades (e, particularmente, da História) para os desafios ambientais globais atuais. Através da lente pessoal e científica dos investigadores, as pessoas e as baleias são vistas como co-protagonistas das narrativas históricas e dos processos ecológicos, reforçando a importância destes animais para a identidade e cultura regional.
– Qual é a primeira palavra que vem à sua mente quando pensa em BALEIA? – O quintal do meu avô.
Visitante da exposição ‘A Baleia em Atouguia’